

. pintura .
Nem a favor nem contra, bem pelo contrário
de
curadoria
. Galeria Municipal .
Montemor-o-Novo
01 |22 Março 2025
Bem antes, o trabalho
Fazer o caminho da pintura de João Albuquerque é uma jornada rara. Há nela um sentido do ofício de pintar que anda, por aí, muito mascarado pela ideia da procura de uma linguagem própria. Como se se tivesse trocado, definitivamente, o valor trabalho pelo valor de exposição, um debate exausto que recua às dialécticas entre desenho e composição, entre método e figuração, entre processo e expressão. O trabalho de pintar em Albuquerque, não se confunde com o exercício postiço da boa técnica, do belo enquadramento, da perfeição do entalhe, é antes o resultado de uma prática em que os institutos da pintura são de alguma forma postos em contenda: cores dissonantes sobre cromatismos conjugados, geometrias canónicas descompensadas por traços disruptivos, horizontes liquefeitos por manchas casuais, figuras bem recortadas sobre fundos que afinal são elas mesmas o fundo. É por isso que ela, esta pintura, é rara e contém um esteio de estranheza muito conseguida, desafiante e desobrigada, e que lhe é conferida muitas vezes por uma agonística – uma luta –, tal que se entre o pintor e o seu meio houvesse uma disputa, reflexo de que em Albuquerque há urgência de pintura como há urgência de liberdade. É certo que daqui se agarram ao trabalho de Albuquerque filiações várias, de que as mais recrutadas são o expressionismo abstracto e a pintura concreta. E logo a seguir, inundadas por uma retórica do sensorialismo e da gestualidade, que mesmo que adequada, secundariza um dos aspectos mais altos da pintura de João Albuquerque, e que é a de dar a ver que há uma intencionalidade tão evidente nos quadros que mostra, que eles ganham uma narratividade de per si, e que é a história de uma necessidade insaciável de pintar, o que cose mal com o refúgio no acaso simples ou no gesto indómito, ou mesmo com a idée réçue de um experimentalismo à flor da pele, que usualmente só significa virtuosismo ocioso. Com Albuquerque labora-se. E elabora-se.
Na exposição «Nem a favor, nem contra, bem pelo contrário» (título tingido pelas antíteses irónicas a que Albuquerque é dado, quem sabe, porém, dispensáveis), nas trinta e sete obras expostas, sendo que nem todas se equivalem, há estações obrigatórias, não apenas para bem recortar a obra de João Albuquerque no panorama da pintura do país, mas também para colocá-la na arena da pequena grande pintura mundial. Falamos daqueles quadros em que mais do que a mão, mais, do que a tinta, mais do que o olho, Albuquerque exercitou o seu arbítrio e escolheu fazer neles cair um pingo com travo a oriente, engendrar uma teia construtivista de aspecto avant-garde, colar um close-up american-pop, compor uma contra-heráldica com sabor a subcultura, construir uma mancha-jardim com um onirismo feroz. Aquelas em que Albuquerque dá a saber que para lá da pintura – ou talvez antes que com a pintura –, há mundo. Mesmo que estranho, ainda que raro.

João Albuquerque
[Sem título] óleo sobre cartão, 55cm X 40cm
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